EXPEDIENTE DA PROCURADORIA GERAL
PARECER
OBJETO: Denúncia formulada com pedido de cassação do mandato do prefeito municipal. Inexistência de nexo de causalidade entre os fatos alegados. Inépcia formal. Impossibilidade de recebimento.
I – DA BREVE SÍNTESE DOS FATOS:
A esta Procuradoria, foi solicitado PARECER acerca do formalismo e da legalidade da Denúncia apresentada pelo Senhor, VICENTE ARAUJO DE SOUSA NETTO, advogado, residente na cidade de Uberaba, contra suposto ato de improbidade administrativa, praticada pelo Exmo. Senhor PAULO PIAU NOGUEIRA, Prefeito Municipal de Uberaba-MG.
Versa a presente denúncia, em breve síntese, sobre a locação, supostamente indevida, de um imóvel pelo Codau – Centro Operacional de Desenvolvimento e Saneamento de Uberaba, cuja alegação por parte do denunciante é de eu o referido imóvel “já foi de propriedade do presidente do Codau, Luiz Guaritá Neto, sendo que o mesmo vendeu a sua parte no imóvel a seu ex-sogro e sócio na mesma construtora, comprovando que tanto Luiz Guaritá Neto e seu sócio Antônio Ronaldo faziam e fazem parte da sociedade na empresa”, e, em sequência, alega que a situação trata-se de uma “forma disfarçada e completamente afrontosa à lei e aos bons costumes com a coisa pública já que é o presidente do Codau pagando aluguel “a si mesmo””.
Aduz ainda, sob o argumento de que “é de conhecimento público a estreita relação pessoal/política e profissional entre o prefeito de Uberaba Paulo Piau e o Presidente do Codau”, e que o prefeito de Uberaba “sabe e concorda com tal absurdo e ilegalidade e está subjugando a situação pelo fato de que esse mesmo dinheiro lhe causa benefício próprio e ao de seu comparsa, com a prova cabal de que o Sr. Luiz Guaritá doou oficialmente só na ultima campanha de reeleição de 2016 do atual prefeito a bagatela de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais)”.
Sinteticamente, eis os fatos e a motivação da denúncia apresentada.
Passaremos, abaixo, à análise jurídica quanto à sua admissibilidade, conforme nos restou solicitado.
II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE: DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA RECEBIMENTO DA DENÚNCIA:
Inicialmente, cumpre destacar, não cabe a esta Procuradoria, pelo menos nesse momento, adentrar-se ao mérito da denúncia, e sim analisar seu aspecto formal e material, sob o que passamos a analisar, no seguinte aspecto.
II. I – DA ILEGITIMIDADE DO DENUNCIANTE: NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE ELEITOR:
O artigo 25, inciso I, do Regimento Interno (Resolução 2363), da Câmara Municipal e Uberaba, nos termos estabelecidos pelo Decreto-Lei 201/67, assim dispõe:
Art. 25 - O processo de cassação do mandato de Vereador, assim como de Prefeito Municipal e Vice-Prefeito, nos casos de infrações político-administrativas definidas na lei Federal (Decreto-Lei no 201/67), obedecerá ao seguinte rito:
I - A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante. (grifamos)
Inicialmente, já se observa a primeira deficiência na Denúncia apresentada, pois o inciso I, supracitado, determina que a denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor. Ou seja, a condição para recebimento da peça acusatória é que a denúncia seja realizado por um ELEITOR.
Porém, em que pese a determinação legal da condição de Eleitor, o Denunciante, apresentou somente o seu Título de Eleitor sem, no entanto, anexar, quando do protocolo da Denúncia, os documentos que comprovassem ter o Denunciante votado nas eleições imediatamente anteriores como, p.ex, a Certidão de Quitação Eleitoral.
Dessa forma, pressupõe-se que embora tenha apresentado o seu Título de Eleitor, o referido documento não prova que o Denunciante se encontra na plena fruição do GOZO dos seus DIREITOS POLÍTICOS, não estando apto, portanto, ao regular exercício deste ato, na condição de eleitor.
Nesse sentido, a jurisprudência tem se posicionado, senão vejamos:
“VEREADOR – Mandado cassado pela Câmara – Denúncia oferecida por eleitor – Prova desta qualidade – Imputação genérica – Defesa tolhida – Segurança concedida – Recurso provido. No oferecimento de denúncia, para cassação de mandato, com a inicial acusatória deverá o cidadão fazer a prova de que é eleitor e de que está evidentemente, no gozo de seus direitos políticos” (TJPR, AP. Civ. – MS – Rel. Mário Lopes, 5.11.80 – RT 550/160)
Dessa forma, Senhor Presidente e eminentes vereadores que compõem este parlamento, o Denunciante não logrou êxito em demonstrar estar quite com a Justiça Eleitoral, motivo pelo qual não está legitimado a oferecer a denúncia escrita, ora sob análise.
Portanto, pelo fato de não ter anexado documento competente que comprove que está em pleno exercício de seus direitos políticos, o título de eleitor apresentado, por si só, não sana o referido vício, vez que o mesmo só comprova que um dia o autor da denúncia se alistou como eleitor.
Como já observado anteriormente, para fazer prova de que é eleitor, ou seja, de sua cidadania, necessário se faz que o título tivesse sido juntado conjuntamente com a certidão emitida pelo Cartório Eleitoral competente, a qual certificasse que está em gozo de seus direitos políticos.
Desta feita, considerando não haver a possibilidade de prova pré-constituída que possa convalidar a ação do Denunciante, por ser o ato de natureza político-administrativa, não há como prover o recebimento da Denúncia para fins de ser julgada, em razão de estar em desacordo com um dos requisitos obrigatórios estabelecidos pela legislação competente, qual seja o da não apresentação da certidão de quitação eleitoral.
II.II – DA INÉPCIA DA DENÚNCIA:
A denúncia, conforme legislação vigente, deve descrever de forma clara e precisa os fatos imputados e as provas que embasam a acusação, além de outras exigências que decorrem de nosso ordenamento jurídico.
Para o saudoso Hely Lopes Meirelles,
“a denúncia, (…), deverá ser feita por escrito, com a exposição clara dos fatos e a indicação das provas da acusação, assinada pelo denunciante e dirigira ao Presidente da Mesa”.
Tito Costa ensina, que“nos processos de cassação de mandato eletivo há efetivamente uma acusação e alguém que é alvo dela: o acusado. A defesa do mandato, que advém do voto popular, é um direito e um dever do denunciado, razão pela qual há de estar cercada de todas as garantias. Dentre essas garantias ressalta a necessidade de existência de uma denúncia clara, com a narração de fatos típicos ajustáveis à figura legal da infração referida, como no processo penal” (ob. Cit. P. 248)
Portanto, para atos como o pretendido pelo Denunciante, deve haver uma acusação e um acusado, devendo a denúncia se ater aos requisitos legais, pois, do contrário, será inepta, condição esta que se aplica ao caso em tela, como veremos em seguida.
A denúncia apresentada, traz consigo o relato de fatos e atos atribuídos ao presidente do Centro Operacional de Desenvolvimento e Saneamento de Uberaba – CODAU, Sr. Luiz Guaritá Neto, com o intuito de que outro seja denunciado, qual seja o prefeito municipal sem, no entanto, apresentar o devido nexo de causalidade.
Cumpre destacar, pela alegação supracitada, mesmo sendo os atos listados remetidos ao presidente do Codau, o pedido formulado na denúncia foi direcionado ao Prefeito Municipal, Sr. Paulo Piau, o qual, analisando-se detidamente os documentos apresentados, não figura-se como parte principal da denúncia.
O fato de o denunciante demonstrar documentalmente que o Prefeito Municipal recebeu do Sr. Luiz Guaritá Neto doação para sua campanha eleitoral no ano de 2016 não caracteriza qualquer nexo de causalidade entre as alegações apresentadas na denúncia, vez que a doação por pessoas físicas a campanhas eleitorais é legítima e está regulamentada pelo art. 23, § 1º, da Lei nº. 9.504/97 (Lei das Eleições), competindo, outrossim, à Justiça Eleitoral a fiscalização e consequente aprovação e/ou reprovações das respectivas prestações de contas.
Ou seja, a narração e a demonstração dos fatos apresentados na denúncia são insuficientes para definir qualquer autoria, tampouco precisar a materialidade, uma vez que foi pedida a cassação do Prefeito Municipal e o mesmo não possui nenhuma ligação com os atos praticados, de forma independente, pelo presidente do Codau.
Como se percebe, o denunciante não demonstrou, sequer genericamente, a responsabilidade do Prefeito Municipal perante os atos realizados pelo presidente da Autarquia, tão menos, como já anteriormente mencionado, o nexo de causalidade entre tais atos.
Estamos diante, portanto, da inépcia formal da denúncia apresentada, já que a mesma não tem habilidade ou aptidão para produzir efeito jurídico, futuro ou presente.
Cumpre ressaltar, que é uníssono o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema em questão, conforme podemos observar do entendimento abaixo colacionado:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DECRETO-LEI 201/61, ART. 1.º, I. CONCURSO DE AGENTES. DENÚNCIA. INÉPCIA FORMAL. NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAR MINIMAMENTE A CONDUTA PRATICADA PELOS ACUSADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
- São uníssonos os precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, embora não se exija a descrição pormenorizada da conduta de cada denunciado nos casos de crimes societários, é imprescindível que o órgão acusatório estabeleça a mínima relação entre o denunciado e o delito que lhe é imputado.
- É formalmente inepta a denúncia que não demonstra, sequer genericamente, a responsabilidade do denunciado perante a empresa ou o nexo de causalidade entre a conduta dele e o crime supostamente cometido, tampouco aponta quais foram os meios empregados ou de que maneira foi praticado o delito.
- Ordem concedida para anular, com relação ao paciente, a ação penal a partir da denúncia, inclusive, por inépcia formal, sem prejuízo de que outra seja elaborada com o cumprimento dos ditames legais. (Habeas Corpus nº. 93.598 - MT (2007/0256431-1) – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura) negritamos e sublinhamos
Nesse mesmo diapasão, trazemos à baila mais um entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, o que comprova, de forma categórica, a solidificação da jurisprudência por parte da Corte, senão vejamos:
HABEAS CORPUS. PREFEITO. FRAUDE À LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993). CONDUTA DELITUOSA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FATOS CONCRETOS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 280 DO CP). VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. SIMILITUDE DE SITUAÇÕES. RECONHECIMENTO (ART. 580 DO CPP).
- É inepta a denúncia que tem caráter genérico e não descreve a conduta criminosa praticada pelo paciente, mencionando apenas que os atos ilícitos ocorreram com o respaldo do prefeito municipal (fl. 16), afirmando, na sequência, que o fato de ele pertencer a mesma agremiação política do proprietário da empresa vencedora da licitação sugere a sua adesão ao fato delituoso.
- As condutas descritas pelo Parquet denotam o concurso de agentes na prática delituosa e não o delito de associação criminosa (art. 288 do CP), cuja tipificação exige a demonstração da existência de vínculo estável e permanente dos agentes, visando à prática de crimes.
- Havendo similitude de situações, nos termos dos arts. 580 e 654, § 2º, ambos do Código Penal, a ordem deve ser estendida aos demais denunciados quanto ao delito tipificado no art. 288 do Código Penal.
- Ordem concedida para trancar a Ação Penal n. 112/2.13.0000406-6, em trâmite na comarca de Não-Me-Toque, em relação ao paciente, Paulo Lopes Godoi, sem prejuízo de que outra seja ofertada com descrição circunstanciada das condutas a ele atribuídas; com extensão parcial aos demais denunciados, tão somente com relação ao delito tipificado no art. 288 do Código Penal. (Habeas Corpus nº.258.696 – RS (2012/0233946-2) – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior) (negritamos e sublinhamos)
Segundo o ilustre doutrinário, Tito Costa:
“A denúncia, deve narrar os fatos de forma clara e precisa, ajustando-se à letra da lei, ‘a fim de tipificá-los e, dessa forma, possibilitar a defesa do acusado, em toda sua amplitude, como assegura a Constituição. Se assim não for feito, o procedimento estará comprometido em sua essência, disso resultando a falta de justa causa para o julgamento e condenação”. (Tito Costa, Ob. Cit., p. 248 )”. Grifamos.
Dessa forma, tanto em razão dos entendimentos jurisprudenciais, quanto da vasta doutrina, tem-se que a denúncia apresentada não observa esses requisitos, uma vez que as alegações realizadas na peça acusatória, em nenhum momento, é atribuído ao Prefeito Municipal, já que não apresenta qualquer prova robusta referente ao mesmo, que, em tese, seria o alvo da Denúncia.
Portanto, não restou demonstrada a correlação entre supostas irregularidades e condutas descritas como infrações político-administrativas do art. 4º do Decreto-Lei nº 201/67, suscitadas pelo autor da Denúncia, o que tira a competência deste parlamento de apreciar a matéria contida na denúncia, pois carece a mesma de fundamentação legal.
Nesse sentido é a lição do professor Waldo Fazzio júnior:
“… A denúncia deve ser deduzida com clareza, descrevendo os fatos e indicando as provas. Claro que não se pode exigir, no caso, uma peça elaborada com o esmero de seu correspondente penal, mas, no mínimo, que seja lógica e conclusiva quanto à subsunção típica, ou seja, a conduta do prefeito deve corresponder a uma das descritas no art. 4º do Decreto-Lei nº 201/67. È o que se exige, sob pena de inépcia”. (FAZZIO Júnior, Waldo, Improbidade Administrativa – Aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público, São Paulo: Atlas, 1.996. (grifamos)
Como se vê, importante é a exigência expressa de indicação das provas robustas para evitar que denúncias “vazias” sirvam a propósitos políticos. Exige-se, com isso, que haja indícios sérios, evidentes e capazes de justificar o recebimento da denúncia, o que não se observa na presente peça acusatória.
III – DA CONCLUSÃO:
Conclui-se, portanto, que a exigência da descrição pormenorizada de suposta conduta praticada pelo Prefeito Municipal é imprescindível para a aceitação da denúncia, para que então seja estabelecida, mesmo que minimamente, a relação entre o denunciado e o suposto delito que lhe é imputado.
Assim sendo, e forte nos fundamentos elencados no decorrer do presente estudo, entendemos que a denúncia apresentada pelo Sr. Vicente Araújo de Sousa Netto é formalmente inepta, o que inviabiliza a análise do mérito da questão, já que, conforme dito, não houve comprovada a existência de nexo de causalidade entre os fatos alegados e uma suposta conduta do Prefeito Municipal.
Por todos esses motivos, a Procuradoria desta Casa de Leis, RECOMENDA que seja declarada a inépcia da denúncia apresentada, e como conseqüência o arquivamento do feito, EM RAZÃO DOS FUNDAMENTOS ACIMA EXPLICITADOS.
É o parecer, salvo melhor juízo.
Uberaba-MG, 18 de fevereiro de 2018.
DIÓGENES ALVES DE SENE
Procurador Geral - OAB/MG 122.867
MARCELO ALEGRIA
Advogado - OAB/MG 50.408
RODRIGO GONÇALVES SOUTO
Assistente Jurídico – OAB/MG 108.854
LUIS ANTONIO BANDEIRA
Assistente Jurídico – OAB/MG 171.102