Caso absurdo de racismo ocorrido na semana passada foi abordado durante a reunião desta segunda-feira (21), na Câmara Municipal de Uberaba. O fato aconteceu no Centro Cultural Águia Branca, situado no bairro Fabrício.
O responsável pela instituição é o educador físico e mestre em capoeira, Ubiracy Borges, conhecido como Mestre Café. Ele explicou que estavam se preparando para uma mostra cultural, que seria realizada no Teatro Experimental de Uberaba (TEU), quando foram surpreendidos com várias bananas jogadas pelo alto no local. Um Boletim de Ocorrência foi registrado e a Polícia Civil está investigando o caso.
Segundo ele, em um primeiro momento não se deram conta da gravidade da situação, o que aconteceu logo após o término do ensaio. Mestre Café lembrou que quando estava no cargo de diretor de Assuntos Afros da Fundação Cultural de Uberaba (FCU), teve a oportunidade de realizar a 1ª Conferência da Igualdade Racial, juntamente com o ex-vereador Carlos Godoy.
Ele disse que até então achava que seu trabalho como mestre de capoeira bastava, mas depois começou a se dedicar mais ao Centro Cultural. “Mas depois dessa atrocidade, nasce de novo a presença de Mestre Café na comunidade negra, em busca da igualdade racial”, afirmou.
De acordo com o educador físico, pensando em como combater o racismo e uma forma de ajudar, solicitou a criação de uma Secretaria de Igualdade Racial e Políticas Públicas, que poderia fazer as políticas públicas efetivas chegarem na ponta, onde realmente precisam.
“E eu acredito que vocês, que já legislam pelo povo uberabense, entendam essa necessidade que a cidade vem passando. O nosso povo precisa de políticas públicas, na saúde, na cultura, no esporte, no lazer. Eu uso essa oportunidade de pedir a vocês, vereadores, que se sensibilizem com essa causa e nos ajude a construir, pois Uberaba é uma cidade que desponta na cultura negra”, disse Mestre Café.
Ele contou, ainda, que quando era criança ficou traumatizado por ver pessoas invadindo o terreiro de sua mãe e apreendendo os atabaques. “Dentro da escola eu sofri os piores racismos que um ser humano pode passar”, afirmou, lembrando as ofensas que sofria, mas que se manteve firme, pela educação que teve, se transformou num agente cultural, num ativista, que se preocupa com a causa.
Também integrante do Centro Cultural, Nubia Nogueira, conhecida como “Mestra Puma”, comentou que todos estão estarrecidos com o que aconteceu, e esperam que a criação da secretaria seja efetivada. Ela se lembrou da líder quilombola e ialorixá Mãe Bernadete, que foi assassinada com 16 tiros no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região metropolitana de Salvador, na noite da última quinta-feira (17).
“A gente fica pensando, o mesmo motivo que leva uma pessoa a jogar bananas em crianças, adolescentes e até idosos, que estão se preparando para uma atividade cultural, apenas porque essa atividade tem caráter de matriz africana, é o mesmo motivo que leva uma pessoa a dar tiros”, desabafou.
Mestra Puma fez questão de lembrar que a capoeira é brasileira, mas foi criada pelos negros para ser uma força de liberdade ao sistema opressor, que era a escravidão. Ela disse que todos ficam preocupados, pois as crianças e adolescentes estão sob suas responsabilidades.
“Independentemente de serem crianças e adolescentes, todos nós somos seres humanos, e as leis existem para combater o racismo e a injúria racial, que são inafiançáveis”, acrescentou, defendendo que é preciso haver ações continuas de conscientização e de proteção, para garantir que isto não aconteça mais.
A assessora da deputada federal Dandara Tonantzin , que pediu para o caso ser acompanhado, também esteve no Plenário. “O racismo existe, é real, mas nossos tambores não serão calados”, afirmou Sueli Cristina, destacando que a situação não é isolada e acontece em todo o país, e que além do crime de racismo, foi cometido também o crime de intolerância religiosa.
O representante do Conselho de Mestres, Mestre Preto, também se manifestou. Ele disse que está na capoeira há mais de 30 anos, e que toda a comunidade capoeirista se sentiu ofendida com o ocorrido. A intenção é de realizarem ainda esta semana um ato contra o racismo, que aconteceria no último domingo, mas acabou adiado por causa da chuva.
“Foi um ato que atingiu a nossa arte, a nossa cultura, nós trabalhamos na periferia com as crianças, assim como vários capoeiristas da cidade, com o objetivo de dar uma perspectiva de vida melhor pra elas. Estamos juntos e unidos para combater qualquer espécie de racismo, esperando que os responsáveis sejam punidos”, concluiu Mestre Preto.
O depoimento de um angolano, que está no Brasil há 16 anos, reforça o quanto o preconceito destrói vidas. Graciano Jang contou que a guerra deixou o país pobre, fazendo com que muitas pessoas fossem morar nas matas, comendo o que aparecia, como ratos e macacos.
Atingido por uma bomba, ele sofreu um ferimento no rosto, que deixou sequelas. O angolano lembrou que teve uma infância traumatizante, era isolado e não convivia com outras crianças, sendo que chegou a pensar em tirar a própria vida.
Ele contou que um dia estava pedindo dinheiro no semáforo, quando foi abordado por um carro do governo, que disse que iriam trazê-lo para o Brasil, onde seria submetido a uma cirurgia no nariz.
Graciano explicou que em Angola os brancos não se misturam com negros, e que ninguém ajuda ninguém. “Aqui está longe de ser um país ruim, ao contrário do que muitos falam, fico orgulhoso de ver o que cada ser humano pode fazer. A discriminação acontece em todos os lugares, não só no Brasil”, disse ele.
O imigrante disse que em Uberaba foi acolhido pelos Mapuabas e que é muito agradecido, pois foi através deles que conheceu a congada e o Mestre Café, com quem começou a fazer capoeira.
Os visitantes receberam o apoio dos vereadores, sendo que alguns se manifestaram, como Luizinho Kanecão, Tulio Micheli, Rochele Gutierrez, Luciene Fachinelli, Pastor Eloísio, Baltazar da Farmácia. O presidente Fernando Mendes disse que este foi o assunto mais importante do dia e lembrou que o que aconteceu no Centro Cultural é crime, e isto não é aceito pelo Legislativo. “É vergonhoso o que aconteceu. Será que vai ter que acontecer com um jogador de alto rendimento, para ter a comoção da sociedade?”, questionou, lembrando o caso ocorrido recentemente com o jogador Vinicius Júnior
“A sociedade tem que se levantar contra isso, precisamos combater essas atitudes covardes e cruéis. Os responsáveis têm que responder criminalmente. O país precisa melhorar muito, mas temos que fazer vale a Lei e vamos até o fim, a Casa vai estar de mãos dadas, é inaceitável o que aconteceu na cidade de Uberaba, precisamos combater o racismo e a intolerância religiosa” finalizou o presidente.
Jorn. Hedi Lamar Marques
Departamento de Comunicação CMU
21/08/2023