A audiência pública realizada no Plenário da Câmara Municipal para discutir ações de combate a pedofilia no município, reuniu várias autoridades na noite da última quarta-feira (29). Os vereadores Denise Max (PR), Ismar Vicente dos Santos (PSB) e Samuel Pereira (PR) foram os autores do requerimento que deu origem a audiência.
Também estavam presentes o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da CMU, vereador Franco Cartafina (PRB), o líder do prefeito na Casa, vereador Edcarlo dos Santos Carneiro Kaká Se Liga (PSL), o subsecretário da Secretaria de Assistência Social (Seds), professor Carlos Alberto de Godoy, o Coordenador Regional da Promotoria da Infância, Juventude e Educação, promotor André Tuma, e a psicóloga Judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Marli Assis.
O comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, coronel Valdimir Soares Ferreira, a delegada da Polícia Civil, Carla Garcia Bueno, responsável pela Delegacia de Orientação e Proteção a Família, e o delegado da Polícia Federal, Glorivan Bernardes de Oliveira, também participaram da reunião pública, entre outros convidados.
A vereadora Denise Max disse que o país está vivendo uma situação muito difícil, com níveis de violência preocupantes. Entre os vários casos dos quais tomou conhecimento, Denise levou ao Plenário duas testemunhas que já sentiram na família os problemas causados pela pedofilia.
C.A, contou que há quatro anos se mudou para Uberaba, depois de vários anos fugindo de um pedófilo, do qual a filha foi vítima quando tinha 9 anos. De acordo com C. o autor não chegou a concretizar o estupro, mas criou um trauma muito grande, tanto para ela quanto para a filha, além de grande revolta. O acusado acabou fugindo da cidade onde morava. C. disse que hoje a filha está com 27 anos e casada, após demorar muito para conseguir arrumar um namorado. Outra consequência de tudo o que aconteceu é que ela não quer ter filhos.
"Tudo aconteceu há 18 anos, mas ainda sentimos o trauma até hoje", afirmou a responsável pelo depoimento. Ela também comentou que muitas mães ficam sabendo de coisas e não tomam providências, e espera que os pais se conscientizem, para que não deixem o pior acontecer.
O outro depoimento partiu de M.C.A.P. Ela contou que em maio do ano passado uma sobrinha, hoje com 12 anos, contou que desde os 8 anos vinha sendo vítima do próprio padrasto, sendo que ao tomar conhecimento, a mãe tomou as providências necessárias.Segundo M., a família ficou sabendo do ocorrido no mês de junho e desde então travam uma batalha na justiça contra o acusado.
De acordo com M., só quem passa por situação semelhante sente na pele a dor que provoca. E para piorar ainda mais a situação, algumas pessoas da família não acreditam no relato da menina. M. fez um apelo às autoridades, para que estes criminosos sejam punidos.
Denise lembrou que a maioria dos casos de estupro acontece dentro de casa. Ela também comentou que, de acordo com o Ministério da Saúde, diariamente, pelo menos 20 crianças de zero a nove anos de idade são atendidas nos hospitais que integram o SUS (Sistema Único de Saúde), por terem sido vítimas de violência sexual.
A vereadora também alertou que a internet, por ser um território livre, não tem controle e censura, sendo fácil para os pedófilos aliciarem menores através desta ferramenta. "Apesar de todas as campanhas, para vocês terem uma ideia, cerca de mil novos sites de pedofilia são criados todos os meses no Brasil. E o mais preocupante, segundo levantamento feito recentemente, mostra que 76% dos pedófilos do mundo estão no Brasil", disse Denise.
Além disso, outros dados apresentados pela vereadora assustam: o Estado de Minas tem o 4º lugar no ranking nacional de sites de pedofilia, atrás apenas da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. "Por mais terríveis que sejam estes dados, eles são reais e não podemos fingir que não existem", afirmou Denise.
Para ela, uma boa parcela de culpa cabe aos pais, que estão terceirizando a educação dos filhos e acham que a responsabilidade é da escola. "Educador não é o pai e a mãe, os pais são culpados sim, pois são ausentes", finalizou. O vereador Ismar Marão falou sobre a lei que conseguiu aprovar, obrigando os cinemas da cidade a fazerem inserções de 30 segundos antes das sessões dos filmes, divulgando o Disque 100.
Segundo Ismar, é um crime hediondo, difícil de combater, inclusive devido às dependências com relação ao autor, seja emocional ou financeira. Na opinião de Denise, quanto mais vereadores para lutar contra esta atrocidade, melhor.
O vereador Samuel Pereira, disse que em cinco anos de legislatura já participou de várias audiências sobre este tema, não apenas em Uberaba, mas em outras cidades também. "É um assunto abrangente, é preciso lutar para mudar a lei no Congresso Nacional, mas é preciso também atuar na cidade", afirmou.
Samuel já defendeu várias vezes a redução da maioridade penal, devido à grande quantidade de crimes que os adolescentes tem praticado, mas disse que pensa também na necessidade de cuidar do ser humano.
"A responsabilidade é dos deputados e do país, mas é preciso discutir o que é melhor para a cidade e a melhor forma de combater esta modalidade de crime", afirmou. Samuel aproveitou para contar que recebeu uma sugestão do governo federal, através da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência, para a implantação na cidade do Disque Direitos Humanos, vinculado ao Disque 100.
Já o vereador Franco Cartafina, disse que independente de onde ocorra qualquer ato de violência contra a criança, ele acredita que é na escola que se externe isto de forma mais importante. "É preciso realizar um trabalho neste sentido, para descobrir se algo assim está acontecendo e tomar providências. Como legislador, quero buscar o auxílio sobre o que fazer diante destes atos de violência", afirmou.
O promotor André Tuma destacou a parceria com o vereador Ismar Marão na luta contra a pedofilia. Segundo ele, "não existe nada que se compare a dor de uma mãe que passa por tal situação, que destrói toda a perspectiva de futuro e traumas sem igual". Ele também concorda que a escola tem sido não só o espaço de formação, de valores democráticos, mas também o espaço onde os comportamentos aparecem: "e, muitas vezes, é através das escolas que estes crimes aparecem".
Na avaliação do representante do MP, um só órgão ou instituição acaba sendo ineficiente, frente a um assunto tão sério, pois as crianças se tornam alvos fáceis de pessoas que abusam da confiança e da inocência. "Gente que pratica um ato deste merece é cadeia, ao violentar uma criança, está dando um tapa na cara de toda a sociedade", disse Tuma.
De acordo com o promotor, as marcas e os traumas são tão profundos, que permanecem muitos anos. Ele disse que o MP tem insistido na questão da prevenção, tentando mobilizar a sociedade e alertar as escolas e os pais, para que consigam dialogar mais com os filhos.
"Existe a ilusão de que isto não vai acontecer conosco, e é justamente quando abaixamos a guarda, quando nos tornamos mais vulneráveis", avaliou. Ele também comentou sobre a participação da internet nesta modalidade de crime, principalmente através de redes sociais. "Uma ferramenta tão importante para aproximar as pessoas, mas ao mesmo tempo tem sido uma das principais responsáveis pelos abusos, assédios e troca de material pornográfico, envolvendo crianças e adolescentes. Os pais precisam saber dos riscos e conversar com os filhos", afirmou o promotor, alertando que, por ser um território livre, sem controle, várias pessoas tem criado perfis falsos na internet para conversar com os possíveis alvos.
Ainda segundo Tuma, "é preferível invadir a privacidade do filho, do que ver ele ser alvo de pedófilos". Ele também comentou que quase todos os pais de menores apreendidos por atos infracionais não sabem com quem os filhos estão andando.
Tuma ainda criticou a sensualização e sexualização das crianças, seja através das músicas ou de danças, além de serem expostas a cenas impróprias em novelas e outros programas de TV. "É preciso agir preventivamente, pois remediar é quase impossível. É preciso aprimorar a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário, para dar uma resposta rápida e eficiente, pois a ausência de respostas gera sensação de impunidade", finalizou o promotor.
A psicóloga judicial Marli Assis esclareceu que a pedofilia é considerada doença, porém muitos pedófilos, que estão utilizando os meios de comunicação para a prática, não são considerados doentes e sim oportunistas, seja pela venda de fotografias ou pela satisfação sexual, por exemplo.
"De uma forma geral são indivíduos que tem uma sexualidade que não evoluiu, pessoas regredidas, com traços da própria infância, são extremamente dóceis, na relação familiar ou da vizinhança, ou mesmo através de uma rede social", disse ela. Marli também alertou para os cuidados com relação à sexualidade da criança.
Segundo a psicóloga, às vezes os próprios pais, ou até mesmo um educador, podem estar sexualizando a criança. "Por isso é muito importante tomar cuidado com os contatos, o corpo adulto já está formado, enquanto a criança ainda não tem esta formação, tendo o prazer ligado a várias partes do corpo. Por isso muitas vezes acontece os abusos dentro da própria família", acrescentou Marli.
Para o subsecretário da Seds, Carlos Godoy, é preciso formar uma grande rede organizada para combater a pedofilia. Em seguida a coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, Michele Carvalho, disse que de janeiro a outubro deste ano foram atendidas 65 crianças e 41 adolescentes, vítimas de violência sexual, encaminhadas tanto pelo Conselho Tutelar quanto pelo Ministério Público.
O líder do prefeito, Kaká Se Liga, também se manifestou. Ele acredita que a pedofilia está ligada a quatro pilares: a prostituição infantil, o tráfico de menores, a pornografia infantil e o turismo sexual. Ele comentou, ainda, que o Brasil é considerado líder no ranking de crimes sobre pedofilia na internet e que de cada dez casos, seis acontecem na própria família.
Ao final da audiência, a vereadora Denise explicou que está enviando ao Executivo um Requerimento e uma requisição de um Projeto de Lei, para que seja disponibilizado no site da Prefeitura Municipal de Uberaba a Cartilha "Todos Contra a Pedofilia", divulgada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.